segunda-feira, 27 de maio de 2013

Marx, Nicholas Barbon e o Fetichismo da Mercadoria.

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Nos três primeiros parágrafos da seção 1, do capítulo 1, da parte 1 do Volume 1 de O Capital, Marx agrega duas notas de pé de página com citação de Nicholas Barbon. A seguir a transcrição do texto inicial do Capital – com grifos nossos -, as notas de pé de página (*) e (**) e um pouco da  figura enigmática de Barbon.

A riqueza das sociedades em que domina o modo-de-produção capitalista apresenta-se como uma "imensa acumulação de mercadorias". A análise da mercadoria, forma elementar desta riqueza, será, por conseguinte, o ponto de partida da nossa investigação.
A mercadoria é, antes de tudo, um objeto exterior, uma coisa que, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. Que essas necessidades tenham a sua origem no estômago ou na fantasia, a sua natureza em nada altera a questão. *
Todas as coisas úteis, como o ferro, o papel, etc., podem ser consideradas sob um duplo ponto de vista: o da qualidade e o da quantidade. Cada uma delas é um conjunto de propriedades diversas, podendo, por conseguinte, ser útil sob diferentes aspectos. Descobrir esses diversos aspectos e, ao mesmo tempo, os diversos usos das coisas, isso é obra da história. **

* "O desejo implica a necessidade; é o apetite do espirito, que lhe é tão natural quanto a fome para o corpo (...) A maior parte [das coisas] retiram o seu valor do fato de satisfazerem as necessidades do espirito" (Nicholas Barbon, A Discourse on coining the new Money lighter 1696, pp. 2 e 3).

 ** "As coisas possuem uma virtude intrínseca" (virtude é a designação especifica de Barbon para o valor-de-uso) "que tem a mesma qualidade em toda a parte, tal como, por exemplo, a do íman de atrair o ferro" (l. c. p. 16). A propriedade que o íman tem de atrair o ferro apenas se tornou útil quando, por seu intermédio, se descobriu a polaridade magnética. “

Quem foi Nicholas Barbon?

Nome completo: Nicholas If-Jesus-Christ-Had-Not-Died-For-Thee-Thou-Hadst-Been-Damned Barbon (1640 – 1698) em tradução livre: Nicholas Se-Jesus-Cristo- não-tivesse-morrido-por-ti-tu-estarias-condenado Barbon. Como seu nome evidencia, seu pai era um puritano fanático. Nicholas Barbon, foi médico, economista e criador do “seguro de incêndio”, a partir do incêndio que destruiu Londres em 1666.
Barbon em sua obra escreveu que as mercadorias (bens) tem o potencial de satisfazer dois usos distintos: as necessidades do corpo e os desejos da mente. Ainda, naturalmente, as necessidades do corpo são limitadas: se estritamente examinadas nada é absolutamente necessário para manter a vida, apenas alimentos ( Barbon, 1690).
Barbon claramente estabelece que, de fato, a maioria dos utensílios vendidos satisfazem somente as demandas da mente e não necessidades.
Uma pergunta  fica no ar: não teria Barbon “inspirado” Marx na criação do “Fetichismo da Mercadoria”?

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Marx estava certo.

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Estou iniciando a leitura do livro de Terry Eagleton com o título da postagem. O livro - editado pela Nova Fronteira com tradução de Regina Lyra - tem o título original “Why Marx Was Right” e foi publicado em 2012. Selecionei uma reflexão interessante do prefácio.
“Ao contrário de estadistas, cientistas, soldados, figuras religiosas e congêneres, pouquíssimos pensadores mudaram o curso da história corrente de forma tão decisiva como o autor do Manifesto. Não existem governos cartesianos, guerrilheiros platônicos ou sindicatos hegelianos. Nem mesmo os mais implacáveis críticos de Marx negariam que ele transformou nossa compreensão da história humana.”

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Mesas dançantes.

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O fenômeno das “mesas dançantes/girantes” – table tournante, para os franceses; table moving, para os ingleses e tischrueken, para os alemães – foi dominante na Europa da segunda metade do século 19. Em nota de rodapé no primeiro capítulo de O Capital, Marx registra que “Depois da derrota das revoluções de 1848-49 na Europa e durante o período de reação e de calmaria que se lhe seguiu, houve um grande entusiasmo, nos círculos das classes altas, pelo espiritismo, incluindo o jogo da "mesa dançante". A nota se refere ao texto abaixo que integra a Seção “O Fetichismo da Mercadoria e o seu Segredo”.
É evidente que a atividade do homem transforma as matérias que a natureza fornece de modo a torná-las úteis. Por exemplo, a forma da madeira é alterada, ao fazer-se dela uma mesa. Contudo, a mesa continua a ser madeira, uma coisa vulgar, material. Mas a partir do momento em que surge como mercadoria, as coisas mudam completamente de figura: transforma-se numa coisa a um tempo palpável e impalpável. Não se limita a ter os pés no chão; face a todas as outras mercadorias, apresenta-se, por assim dizer, de cabeça para baixo, e da sua cabeça de madeira saem caprichos mais fantásticos do que se ela começasse a dançar.”
As “mesas dançantes” ridicularizadas por Marx – “da sua cabeça de madeira saem caprichos mais fantásticos do que se ela começasse a dançar” – foram o passo inicial de Allan Kardec na construção da doutrina espírita. “O Livro dos Espíritos” foi lançado em 1857, dez anos antes da primeira edição de O Capital.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Marx em Lisboa.


A  Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa promove, nos dias 24,25 e 26 de outubro próximo, a II Conferência Internacional Karl Marx. Segue trecho do material de divulgação.
“A obra de Karl Marx assumiu um impacto assinalável ao longo dos últimos cento e cinquenta anos, inspirando vários esforços de interpretação crítica da modernidade e do capitalismo. As apropriações de Marx não se limitam, contudo, às suas propostas no campo da teoria, tal como foram sendo desenvolvidas pela tradição marxiana. Hoje, como ao longo do século XX, marxismo nomeia também diversos e distintos movimentos que lutam pela superação do atual estado de coisas, em nome de outras formas, mais igualitárias, de organizar a vida em comum. Com o 2º Colóquio Internacional Karl Marx, a realizar em Lisboa a 24, 25 e 26 de Outubro de 2013, pretendemos convocar aqueles cuja prática e reflexão se cruzam com o marxismo, para uma discussão alargada sobre os usos possíveis de Marx e do(s) marxismo(s) para a análise social e histórica, para a luta política e para a produção filosófica, recebendo contribuições das áreas da economia, da política, da experiência militante, da história e da filosofia, bem como das restantes disciplinas das ciências sociais e humanas.
Nesse sentido, entendemos que a relevância do marxismo se estende muito para além das circunstâncias históricas e geográficas da sua génese, conhecendo permanentes atualizações e renovações em função dos seus usos. Em debate neste Congresso estará a forma como Marx e o(s) marxismo(s) foram interpretados e reivindicados em contextos não-Europeus, a apropriação e transformação de muitas das suas categorias no contexto de lutas como o feminismo ou o ecologismo, a renovação da crítica da economia política no contexto da atual crise, os novos debates em torno da ideia do comunismo, a interpretação e intervenção nos movimentos e mobilizações sociais emergentes.
”
Segue a url do evento:


terça-feira, 14 de maio de 2013

O Capital francês, em capítulos.

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Em março de 1872, o editor francês Maurice La Châtre (1814-1900) publica a 1ª edição francesa  de O Capital, com uma novidade: em fascículos, para, segundo Marx registra no prefácio, tornar a obra “mais acessível à classe operária”. La Châtre ( ou De La Châtre) é uma figura fundamental para a difusão do socialismo na Europa. Perseguido por Napoleão III - Napoleon, Le Petit segundo Victor Hugo – foge para a Espanha, onde abre uma livraria. Uma obra que marcou sua vida como editor foi o Dicionário Universal – uma espécie de enciclopédia de novas ideias. Maurice foi amigo fraterno de Allan Kardec, fundador do Espiritismo. Juntos criaram , em 1839, o Banco de Trocas ( Banque des Échanges) uma espécie de cooperativa, inspirada em Proudhon, que reunia profissionais de diversas áreas que trocavam mercadorias, produtos e serviços entre si.
No Prefácio, Marx destaca a originalidade do método de análise ( da mercadoria) e a dificuldade de compreensão:
“Ao cidadão Maurice La Châtre Caro cidadão,
Aplaudo a sua ideia de publicar a tradução de Das Kapital em fascículos periódicos. Sob essa forma a obra será mais acessível à classe operária e, para mim, essa consideração sobreleva qualquer outra.
Aí está o lado bom da sua medalha, mas eis o seu reverso: o método de análise que empreguei, e que ainda não havia sido aplicado aos assuntos económicos, torna bastante árdua a leitura dos primeiros capítulos, e é de temer que o público francês, sempre impaciente por concluir, ávido de conhecer a relação dos princípios gerais com as questões imediatas que o apaixonam, desanime, por não poder logo passar adiante.
E essa uma desvantagem contra a qual nada posso senão prevenir e premunir os leitores preocupados com a verdade. Não há estrada real para a ciência e só têm possibilidade de chegar aos seus cumes luminosos aqueles que não temem fatigar-se a escalar as suas veredas escarpadas.
Receba, caro cidadão, a certeza dos meus sentimentos dedicados.
Londres, 18 de Março de 1872
Karl Marx

sexta-feira, 10 de maio de 2013

O literato Marx.


Selecionei um trecho do livro “Marxismo e Crítica Literária ( Editora Afrontamento, Porto, 1978) – onde o inglês Terry Eagleton afirma que “a arte e a literatura faziam parte do próprio ar que Marx respirava”. Já postei aqui algumas das poesias de Marx dedicadas à sua paixão de toda a vida, Jenny Von Westphallen, que reforçam a tese de Eagleton.

“A arte e a literatura faziam parte do próprio ar que Marx respirava, como intelectual alemão fantasticamente culto dentro da grande tradição clássica da sua sociedade. Os seus conhecimentos de literatura, de Sófocles ao romance espanhol, de Lucrécio à ficção inglesa de cordel, eram de uma amplitude desconcertante; o círculo operário alemão que fundou em Bruxelas dedicava uma noite todas as semanas à discussão das artes, e o próprio Marx era um frequentador inveterado dos teatros, declamador de poesia, devorador de toda a espécie de arte literária, da prosa augustana às baladas industriais. Numa carta à Engels, descreveu as suas próprias obras como formando um “todo artístico” e era escrupulosamente sensível às questões de estilo literário, a começar pelos seus primeiros trabalhos jornalísticos, que defendiam a liberdade de expressão artística. Para além disso, pode detectar-se o peso de conceitos estéticos por detrás de algumas das categorias mais centrais do pensamento econômico que utiliza na sua obra da maturidade.”

quinta-feira, 9 de maio de 2013

A "profecia" de Alan Woods.

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Alan Woods, conselheiro do falecido Chávez, no artigo “Porque somos marxistas” afirma que um número crescente de pessoas estão abertas às idéias do marxismo, que deixarão os pequenos grupos e “serão zelosamente seguidas por milhões”. A que marxismo Mr. Woods se refere? Ao de Stalin e Althusser ou ao de Denis Collin e Moishe Postone ? Será que Woods não aceita a tese - consagrada-  que a versão singular de marxismo deixou de existir antes mesmo da queda do muro? Afinal, o próprio Karl afirmava que não era marxista....
“Estamos ingressando num período dos mais convulsivos que permanecerá por alguns anos, semelhante ao período de 1930-1937 na Espanha. Haverá derrotas e recuos, mas sob essas condições as massas aprenderão muito rápido. Naturalmente, não devemos exagerar: nós estamos ainda no começo de um processo de radicalização. Mas está muito claro aqui que nós estamos testemunhando o início de uma mudança na consciência das massas. Crescente número de pessoas está questionando o capitalismo. Essas pessoas estão abertas às idéias do marxismo de forma nunca vista antes. No próximo período, as idéias que estavam confinadas em pequenos grupos de revolucionários serão zelosamente seguidas por milhões.”



quarta-feira, 8 de maio de 2013

O diabo e o fetichismo da mercadoria.


Em 1980,  a editora da Universidade da Carolina do Norte publica o livro de Michael Taussig  “ The Devil and Commodity Fetishism in South America”. Em 2010, a editora UNESP comemora os 30 anos da edição e lança a tradução de Priscila Santos da Costa. Estou iniciando a leitura da obra em que Taussig relata sua vivência com camponeses colombianos e estudos antropológicos com mineiros de estanho da Bolívia. Selecionei 3 passagens provocativas:

“Se o fetichismo da mercadoria pode ser interpretado como o que transforma pessoas em coisas e coisas em pessoas, então talvez seja possível – ne medida em que nos olhamos como estranhos – livrar-nos da alienação em um novo mundo, no qual os poderes fantásticos do fetichismo tornam-se liberadores e até o diabo deve emendar-se.”
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“O conceito de fetichismo da mercadoria, desenvolvido por Karl Marx  em O Capital, é fundamental para minha desconstrução do espírito maligno nas relações de produção capitalista. A fetichização do mal na figura do diabo é uma imagem mediadora do conflito entre os modos pré-capitalistas e capitalistas de objetivar a condição humana.”
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“Ao explorar as diferentes conotações metafísicas e ontológicas próprias a cada um desses domínios ( valor de uso e valor de troca) seremos levados, sem dúvida, a contrastar o misticismo popular pré-capitalista com a forma de mistificação capitalista que Marx, sarcástico, rotulou de fetichismo da mercadoria.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A morte de Marx, no jornal lusitano.

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Em 18 de março de 1883 - 4 dias após a morte de Marx, em Londres - o jornal do Partido Operário Socialista, lança dúvidas sobre a veracidade da noticia divulgada pela agência Havas. Segue o texto, em português do final do século 19:

Um tellegrama de Paris anuncia o fallecimento do grande pensador socialista Karl Marx. Permittam-nos a agencia Havas e os jornaes burguezes que publicam a noticia, que duvidemos da veracidade do facto, não por que o achemos extranho, mas por que o não podemos acreditar sem comunicação official. Sabemos a avidez com que os repporters inventam noticias de sensação, e esta é uma d´aquellas que nos allucina, que nos confunde, só ao pensar na perda do Mestre. Além d´isso sabemos que Marx habitava ultimamente Londres e não tivemos noticia da sua partida para Paris.
A ser verdadeira aquella participação, o socialismo universal, a sciencia, a humanidade, terão a lamentar o desapparecimento da intelligencia mais potente da civilisição moderna. Não é preciso que só nós o digamos; dil-o um jornal burguez nas seguintes phrazes que transcrevemos:
«Era, por ventura, o primeiro vulto do socialismo, e, sem duvida, uma das mais notaveis intelligencias do seculo. O seu livro «O Capital», pela profundeza de vistas, pelo rigor penetrantissimo do raciocínio, pela vastidão do seu plano admiravelmente cumprido, é uma obra suprema, é o mais luminoso dos trabalhos que em materia economica se tem feito.
Foi tambem importantissimo o papel de Karl Marx como homem de acção, como instigador secreto do movimento socialista».
Esperamos anciosos por informações fidedignas.