sábado, 25 de fevereiro de 2012

Dinheiro: o proxeneta universal de homens e povos.



Nos “Manuscritos Econômicos e Filosóficos” de 1844, Marx qualifica o dinheiro como “a prostituta universal, o proxeneta universal de homens e povos”. Selecionei dois trechos onde ele fala, de forma bem humorada, sobre o poder do dinheiro, que cura todas as mazelas humanas.

“Quanto menos você come, bebe, compra livros, vai ao teatro, sai para beber, pensa, ama, teoriza, canta, pinta, luta esgrima etc., mais você economiza e maior se tornará o tesouro que nem traças nem larvas podem consumir – seu capital. Quanto menos você é, quanto menos você expressa sua vida, mais você tem, maior é sua vida alienada e mais você acumula de sua essência alienada… tudo o que você é incapaz de fazer, seu dinheiro pode fazer por você…”
............................................................................................
“Quanto maior o poder de meu dinheiro, mais forte sou. As qualidades do dinheiro são qualidades e poderes essenciais meus, do possuidor. Portanto o que sou e o que posso fazer não são de forma alguma determinados por minha individualidade. Sou feio,  porém posso comprar a mulher mais bela. O que significa que não sou feio, uma vez que o efeito da feiúra, seu poder repulsivo, é destruído pelo dinheiro. Como um indivíduo, sou manco, porém o dinheiro me proporciona vinte e quatro pernas. Logo, não sou manco. Sou um individuo perverso, desonesto, inescrupuloso e estúpido, mas o dinheiro é respeitado, e assim também seu dono. O dinheiro é o bem supremo, e conseqüentemente seu dono também é bom.”  

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Repensar a teoria crítica do capitalismo. Parte 4.

-->
Moishe Postone, professor de história da Universidade de Chicago, tem se dedicado a fazer uma revisita à obra de Marx com a perspectiva do nosso século. Já dediquei algumas postagens aos seus textos. Na palestra com o titulo acima, Postone disserta sobre dinâmica complexa do capitalismo e responde a perguntas da platéia. Na resposta à pergunta abaixo transcrita, Postone se refere à configuração estatocêntrica do capitalismo na União Soviética (leia-se “Capitalismo de Estado”).

Pergunta : Por um lado, é altamente crítico da União Soviética e, por outro, também diz que o comunismo é a auto-abolição do proletariado. Pode dizer mais alguma coisa sobre isso? Isto porque, no caso da União Soviética, a classe trabalhadora não foi, definitivamente, abolida. Creio que se tratava de um modo de produção não-capitalista onde, não obstante, o proletariado continuou a existir. Havia uma lógica capital/trabalho enquanto atividade de mediação, mas, ao mesmo tempo, é indispensável considerarmos os seus aspectos não-capitalistas.

Resposta: Uma forma de voltar a olhar para o padrão do século XX – o padrão temporal do século XX – é observar a ascensão e a queda do capitalismo estatocêntrico, do capitalismo fordista. Trata-se de um movimento geral. Podemos datar o seu início em 1914 (ou 1917 no Leste) e o seu fim em 1973 (ou 1989 no Leste). A ascensão e a queda desta forma – deixando a União Soviética de lado por um momento – aconteceram independentemente do partido político que ocupava o poder. A expansão do Estado de bem-estar ocorreu por todo o lado no Ocidente mais ou menos depois de 1949 e começou a ser travada por todo o lado nos anos 1970, independentemente de estarem no poder sociais-democratas, democratas-cristãos, republicanos ou democratas. Este padrão não pode ser explicado em termos locais ou contingentes. Isso não significa que não estivessem envolvidas inflexões contingentes ou locais, mas penso que esses padrões de larga escala exigem alguma explicação e que a teoria do capital (diferentemente das posições pós-estruturalistas) pode responder a essas questões. A União Soviética, do meu ponto de vista, deve ser entendida no contexto do quadro mais vasto da configuração histórica estatocêntrica do capitalismo. Dentro desse quadro, representou uma tentativa de um país semiperiférico de sair dessa posição. Como muitos já sublinharam, não poderia ter havido abolição da classe trabalhadora nessa situação. Pelo contrário, o que aconteceu foi a constituição de uma classe trabalhadora através de um processo de acumulação primitiva dirigido pelo Estado. O que ocorreu na União Soviética durante o período de Stalin foram algumas décadas brutais que recapitularam o que levara centenas de anos brutais na Inglaterra. Esse processo foi o da constituição do capital nacional. Foi, porém, apresentado como construção do socialismo, distorcendo desse modo as ideias-chave críticas da análise de Marx.
Uma das razões por que tentei lidar com as categorias da mercadoria e do capital sem referência anterior às categorias do mercado e da propriedade privada é que elas podem também iluminar essas formas de capital estatocêntrico nacional. De outra forma, a teoria crítica do capital torna-se uma teoria muito mais parcial do que deveria.


domingo, 19 de fevereiro de 2012

Repensar a teoria crítica do capitalismo. Parte 3

-->
Moishe Postone, professor de história da Universidade de Chicago, tem se dedicado a fazer uma revisita à obra de Marx com a perspectiva do nosso século. Já dediquei algumas postagens aos seus textos. Na palestra com o titulo acima, Postone disserta sobre dinâmica complexa do capitalismo e afirma  que a sua superação  “implica na auto-abolição do proletariado” o que “ torna extremamente difícil a política da esquerda”.  E lança uma provocação: “como poderemos falar em auto-abolição do proletariado quando os trabalhadores estão a sendo empurrados contra a parede?”

“Certamente, não acredito que se Kaustky ou Lenine tivessem lido O Capital «apropriadamente» as coisas tivessem sido muito diferentes. Eles leram O Capital a partir de uma perspectiva do início do século XX. Eu  o leio claramente a partir de uma perspectiva do início do século XXI. Evidentemente, estou  argumentando que isso está ligado ao significado das categorias, não porque julgue ter discernimento privilegiado sobre o móvel ou as intenções de Marx, sobre o que realmente quis dizer. Não afirmo ter esse discernimento. Trata-se do significado das categorias hoje. Há formas diferentes de aproximação aos textos de Marx. Há pessoas que vêem contradições lógicas e rupturas no pensamento de Marx – é uma das leituras possíveis. Eu tento sustentar a coerência não-contraditória das suas categorias. Não porque pense que ele era um gênio, mas porque tento ver até onde as categorias nos podem levar no desenvolvimento de uma poderosa teoria crítica do presente. A minha interpretação do proletariado, penso, foi fortemente influenciada pelos anos 1960, não apenas por 1968. Essa década assistiu à ascensão de movimentos de massas que não eram movimentos da classe operária, de camponeses tradicionais ou da pequena burguesia. Ao mesmo tempo, nas metrópoles, assistiu-se ao fim do crescimento da classe operária. O que começa a afetar muitas pessoas – incluindo partes da classe operária – é o próprio trabalho que elas fazem, e não apenas as condições de trabalho e o nível de remuneração. A natureza e a estrutura do próprio trabalho começaram a mudar.
Será o proletariado crucial para o capitalismo? Sim, absolutamente. Na verdade, é mais crucial para o capitalismo do que a burguesia. É possível haver capitalismo sem burguesia, mas não sem proletariado. A superação do capitalismo implica a auto-abolição do proletariado. Isto torna extremamente difícil a política da esquerda. Como poderemos falar sobre a auto-abolição do proletariado quando os trabalhadores estão sendo empurrados contra a parede? Penso que é muito difícil tentar mediar a questão da defesa das conquistas dos movimentos dos trabalhadores num universo neoliberal e uma posição que evite hipostasiar a classe trabalhadora como portadora do futuro. Não pretendo ter respostas fáceis a essa questão, mas penso que a abolição da classe trabalhadora é a chave para a libertação da humanidade. Concordo com a formulação de Marx.”

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Repensar a teoria crítica do capitalismo. Parte 2

-->
Moishe Postone, professor de história da Universidade de Chicago, tem se dedicado a fazer uma revisita à obra de Marx com a perspectiva do nosso século. Já dediquei algumas postagens aos seus textos. Na palestra com o titulo acima, Postone fala da dinâmica complexa do capitalismo e afirma que mesmo o “desenvolvimento de produção tecnologicamente sofisticada não liberta as pessoas do trabalho fragmentado e repetitivo”.

O entendimento da dinâmica complexa do capitalismo a que me referi permite uma análise crítica e social (e não tecnológica) da trajetória de crescimento e da estrutura de produção na sociedade moderna. O conceito-chave de Marx de trabalho excedente não indica apenas, como o fazia a interpretação tradicional, que o excedente é produzido pela classe trabalhadora, mas que o capitalismo é caracterizado por uma forma de crescimento determinada e incontrolável. O problema do crescimento econômico no capitalismo, dentro do seu quadro, não é apenas dominado pela crise, como tem sido frequentemente, de modo correto, enfatizado pelas aproximações marxistas tradicionais. É a própria forma de crescimento, que tem como consequência a destruição acelerada do ambiente natural, que é, ela própria, problemática. A trajetória de crescimento seria bem diferente, de acordo com esta aproximação, se o objetivo último da produção fosse uma quantidade crescente de bens, e não de valor excedente.
................................................................................

A compulsão do capital para aumentos permanentes na produtividade abre caminho para um aparato produtivo, de sofisticação tecnológica considerável, que torna possível a produção de riqueza material essencialmente independente do dispêndio direto de tempo de trabalho humano. Isso, por sua vez, coloca a possibilidade de reduções socialmente gerais em larga escala do tempo de trabalho e de alterações fundamentais na natureza e na organização social do trabalho. No entanto, essas possibilidades não são nem podem ser realizadas no capitalismo. O desenvolvimento de produção tecnologicamente sofisticada não liberta as pessoas do trabalho fragmentado e repetitivo. De modo semelhante, o tempo de trabalho não é reduzido em níveis socialmente gerais, mas é distribuído desigualmente, aumentando mesmo para muitos.”

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Repensar a teoria crítica do capitalismo. Parte 1

-->
Moishe Postone, professor de história da Universidade de Chicago, tem se dedicado a fazer uma revisita à obra de Marx com a perspectiva do nosso século. Já dediquei algumas postagens aos seus textos e, nos próximos dias, vou postar trechos de sua palestra com o titulo acima. No trecho selecionado, Postone fala da dinâmica histórica do capitalismo – “uma dinâmica que aponta para a possibilidade da sua própria superação”.

“A dinâmica histórica do capitalismo gera incessantemente o que é novo, enquanto regenera o que é o mesmo. Esta dinâmica gera a possibilidade de uma outra organização da vida social, embora entrave a realização dessa possibilidade. Marx compreendeu esta dinâmica histórica com a sua categoria de capital. Com a subsunção real do trabalho, na perspectiva de Marx, o capital torna-se cada vez menos a forma mistificada de poderes que, «de fato», são os dos trabalhadores. Pelo contrário, os poderes produtivos do capital tornam-se cada vez mais poderes produtivos socialmente gerais que não podem mais ser entendidos como apenas os dos produtores imediatos. Esta constituição e acumulação de conhecimento socialmente geral tornam o trabalho proletário crescentemente anacrônico. Ao mesmo tempo, a dialética de valor e valor de uso reconstitui a necessidade de tal trabalho.
Uma implicação desta análise é que o capital não existe como uma totalidade unitária e que a noção marxiana da contradição dialética entre forças e relações de produção não se refere a uma contradição entre relações que são presumivelmente capitalistas (por exemplo, o mercado e a propriedade privada) e as forças que presumivelmente são extrínsecas ao capital (o trabalho). Ao contrário, essa contradição dialética é entre as duas dimensões do próprio capital e está, em última análise, enraizada nas duas dimensões da forma mercadoria. Enquanto totalidade contraditória, o capital é gerador da dinâmica histórica complexa que comecei a delinear – uma dinâmica que aponta para a possibilidade da sua própria superação.”

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O luterano Marx. Parte 3.


Hirchel Ha Levi, o pai de Marx, de uma família de rabinos teria – pragmaticamente - se  convertido, ao protestantismo para poder exercer sua profissão de advogado.
Assim, aos seis anos o menino Karl foi batizado no luteranismo. Ao que parece, um pouco de Lutero (1483-1546) ficou no inconsciente do jovem. Vide este trecho da tese de Alvori Ahlert “Ética e a cidadania como contribuições protestantes para a história da educação”.

 Lutero, diz Marx, está de Proudhon. Não se deixa enganar pela distinção entre empréstimo e venda, pois em ambos os casos busca e descobre o rastro da usura. O mais notável de sua crítica é que, em seus ataques, entende principalmente que o interesse já esteja fazendo parte integrante do capital. Marx dedica longas páginas a Lutero em sua “História crítica da teoria da mais-valia”, considera Lutero o primeiro grande economista que fez a crítica à mais-valia.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O luterano Marx. Parte 2.


Hirchel Ha Levi, o pai de Marx, de uma família de rabinos teria – pragmaticamente - se  convertido, ao protestantismo para poder exercer sua profissão de advogado.
Assim, aos seis anos o menino Karl foi batizado no luteranismo. Ao que parece, um pouco de Lutero (1483-1546) ficou no inconsciente do jovem. No terceiro dos “Manuscritos Econômicos Filosóficos” – Propriedade Privada e Trabalho – Marx registra que Engels chamava Adam Smith de o Lutero da Economia Política.

“Assim, em vista dessa economia política esclarecida que descobriu a essência subjetiva da riqueza dentro da estrutura da propriedade privada, os partidários do sistema monetário e do mercantilismo, para quem a propriedade privada é uma entidade puramente objetiva para o homem, não fetichistas e católicos. Engels está certo, por isso, de chamar Adam Smith o Lutero da Economia Política. Assim como Lutero reconheceu a religião e a fé como a essência do mundo real, e por essa razão assumiu uma posição adversa ao paganismo cristão; assim como ele anulou a religiosidade externa ao mesmo passo que fazia da religiosidade a essência interior do homem; assim como ele negou a distinção entre sacerdote e leigo porque transferiu o sacerdócio para o coração do leigo; também a riqueza extrínseca ao homem e dele independente (só podendo, pois, ser adquirida e conservada de fora) é anulada. Isso quer dizer, sua objetividade externa e indiferente é anulada pelo fato de a propriedade privada ser incorporada ao próprio homem, e de ser o próprio homem reconhecido como sua essência. Mas, como resultado, o próprio homem é levado para a esfera da propriedade privada, exatamente como, com Lutero, é levado para a da religião. Sob o disfarce de reconhecer o homem, a economia política, cujo princípio é o trabalho, leva à sua lógica conclusão a negação do homem. O próprio homem não mais é uma condição da tensão externa com a substância externa da propriedade privada; ele próprio se converteu na entidade oprimida por tensões, que é a da propriedade privada. O que era anteriormente um fenômeno de ser extrínseco a si mesmo, uma manifestação extrínseca real do homem, transformou-se, agora no ato de objetivação, de alienação.”

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O luterano Marx. Parte 1.


Hirchel Ha Levi, o pai de Marx, de uma família de rabinos teria – pragmaticamente - se  convertido, ao protestantismo para poder exercer sua profissão de advogado.
Assim, aos seis anos o menino Karl foi batizado no luteranismo. Ao que parece, um pouco de Lutero (1483-1546) ficou no inconsciente do jovem. Na Introdução da  “Crítica à Filosofia do Direito de Hegel” (1844-1845) Marx faz um simpático registro do papel de Lutero, embora inicie o texto com crítica à religião.

“Na Alemanha, a crítica da religião chegou, no essencial, ao fim. A crítica da religião é a premissa de toda crítica.”
...............................................................................................
“A religião não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a religião: este é o fundamento da crítica irreligiosa. A religião é a autoconsciência e o autosentimento do homem que ainda não se encontrou ou que já se perdeu. Mas o homem não é um ser abstrato, isolado do mundo. O homem é o mundo dos homens, o Estado, a sociedade. Este Estado, esta sociedade, engendram a religião, criam uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, seu compêndio enciclopédico, sua lógica popular, sua dignidade espiritualista, seu entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua razão geral de consolo e de justificação. É a realização fantástica da essência humana por que a essência humana carece de realidade concreta.”

O registro do papel de Lutero é antecedido pela afirmação “o passado revolucionário da Alemanha é, de fato, um passado histórico: é a Reforma. Como então no cérebro do frade, a revolução começa agora no cérebro do filósofo”.

“Sem dúvida, Lutero venceu a servidão pela devoção, mas por que pôs no seu lugar a escravidão mediante a convicção. Abalou a fé na autoridade por que restaurou a autoridade da fé. Transformou os padres em leigos, mudando os leigos em padres. Libertou o homem da religiosidade exterior, fazendo da religiosidade a essência mais intima do homem. Libertou o corpo de seus grilhões porque com grilhões prendeu o coração”.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

As 3 fases de Marx.


A tese da descontinuidade do pensamento do jovem Marx para o Marx maduro ocupa, ainda hoje, milhares de páginas impressas e eletrônicas. Nildo Viana defende em “O Jovem Marx e o Marxismo” (2004) a fluidez do pensamento marxista e apresenta as suas 3 fases. Postei um pequeno trecho. Para acessar a íntegra: www.arcos.org.br/artigos/o-jovem-marx-e-o-marxismo/  As publicações de Nildo Viana estão em http://nildoviana.teoros.net/

“A tese da continuidade do pensamento de Marx deve não só se justificar metodologicamente como, também, se fundamentar e se comprovar nos escritos de Marx. Veremos, então, o desenvolvimento do pensamento de Karl Marx e assim demonstrar a continuidade nele presente. O seu pensamento apresentou três fases: a primeira fase, que vai de 1838 a 1844, expressa preocupações humanistas e filosóficas esboçando sua teoria da história e a análise do capitalismo; a segunda fase, que vai de 1845 a 1848, concretiza a sistematização de sua teoria da história; a terceira fase, que vai de 1849 até 1883 (ano de sua morte), elabora mais completamente sua teoria do capitalismo, que é uma teoria da luta de classes na época moderna e da transformação social, ou, segundo Rossana Rossanda, uma "teoria da revolução" (Rossanda, 1989).
Esta periodização do pensamento de Marx coincide com a de Korsch (1977), que relaciona tal evolução do pensamento de Marx com o desenvolvimento do movimento operário. Concordamos com Korsch no fato de que o marxismo se constitui, efetivamente, a partir da segunda fase, que coincide com uma época de ascensão das lutas operárias, mas no que concerne à terceira fase, temos uma pequena divergência. Sem dúvida, nesta fase há um recuo parcial do movimento operário (mas também uma ascensão no seu final, pois basta lembrar a Comuna de Paris de 1871, acontecimento de fundamental importância para o desenvolvimento da teoria marxista, o que é reconhecido pelo próprio Marx), o que fez com que Marx se dedicasse ao estudo do modo de produção capitalista, mas isto foi realizado no mesmo espírito do que o existente na fase anterior e significou um aprofundamento da teoria do capitalismo.”

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Marx, Cervantes e Balzac.


Em setembro de 1890, Paul Lafargue – genro de Marx – publica “Recordações Pessoais sobre Karl Marx” ( “Des souvenirs sur K.Marx”) quando releva  intimidades do sogro. Selecionei um trecho onde está registrado o interesse pela literatura e o fascínio por Balzac. Como a tradução do marxistas.org está um tanto  embolada, posto também o texto original, em francês.

“Admirava as narrações alegres e de aventuras. Cervantes e Balzac eram também autores de sua predileção. Em Dom Quixote via os derradeiros dias da cavalaria andante, que teve seus méritos transformados em objeto de chacota e escárnio, por parte do nascente mundo burguês. Sentia tal interesse por Balzac que se propunha escrever uma obra crítica sobre A Comédia Humana “logo que terminasse seus trabalhos sobre economia”.
Balzac não foi só o historiador da sociedade de seu tempo, mas também o criador de tipos proféticos que, na época de Luís Felipe, existiam apenas em estado embrionário, só se desenvolvendo completamente ao tempo de Napoleão III.
Marx lia com perfeição todas as línguas européias e escrevia em três: alemão, francês e inglês, causando admiração aos nativos dessas línguas. “Um idioma estrangeiro é uma arma nas lutas da vida”, dizia muitas vezes.”

“Il plaçait Cervantès et Balzac au-dessus de tous les autres romanciers. Il voyait dans Don Quichotte l'épopée de la chevalerie à son déclin, dont les vertus allaient devenir, dans le monde bourgeois naissant, un objet de moquerie et de ridicule. Et il avait une telle admiration pour Balzac qu'il se proposait d'écrire un ouvrage critique sur la Comédie humaine dès qu'il aurait terminé son œuvre économique. Balzac, l'historien de la société de son temps, fut aussi le créateur de types qui, à l'époque de Louis-Philippe, n'existaient encore qu'à l'état embryonnaire et ne se développèrent complètement que sous Napoléon III, après la mort de l'écrivain. Marx lisait couramment toutes les langues européennes et en écrivait trois : l'allemand, le français et l'anglais, si bien que ceux qui possédaient ces langues en étaient étonnés. "Une langue étrangère est une arme dans les luttes de la vie", avait-il l'habitude de dire.”

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Balzac by Lukács,


György Luckács (1885-1971) iniciou sua trajetória filosófica com Kant, passou por Hegel e chegou ao marxismo  – uma caminhada semelhante à do velho Karl. Lukács foi responsável pelo resgate de Balzac nos anos 30, quando a obra do genial autor da Comédie Humaine se encontrava, para os marxistas, eclipsada pelo naturalismo de Émile Zola (1840-1902). Selecionei um texto onde Lukács mostra como Balzac, em quase todos os seus romances, ilustra “a transformação do artesanato primitivo no capitalismo moderno”.

“.......na produção francesa de então, As ilusões perdidas ocupam um lugar insuperável, único. Na realidade, Balzac aqui não se contenta em reconhecer ou ilustrar esta trágica ou tragicômica situação social. Seu olhar penetra nos estratos mais profundos, enfrenta os problemas mais sérios. Adverte que o fim do período heróico burguês na França é ao mesmo tempo também o início da ascensão do capitalismo nesse país. Em quase todos os seus romances Balzac ilustra este fato, a transformação do artesanato primitivo no capitalismo moderno, mostra como o vertiginoso aumento do capital monetário reorganiza a cidade e o campo, como as tradicionais formas e ideais sociais batem em retirada ante a marcha triunfal do capitalismo. Nesse cenário,Ilusões perdidas é um poema tragicômico que trata da “capitalização do espírito”. O romance mostra como a literatura se reduz pouco a pouco em mercadoria, a objeto de troca, e ilustrando essa transformação do espírito em todos os campos, mostra a tragédia geral da geração pós-napoleônica... “

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O balzaquiano Marx. Parte 3


A tese de Michele Alves de Melo – orientador Prof. Marco Aurélio Coelho de Paiva – apresentada no XX Congresso de Iniciação Científica do Amazonas “ Sociedade e Literatura em Balzac e Marx”, tinha por objetivo uma leitura cruzada entre textos de Balzac e Marx. Não localizei a íntegra do trabalho, mas o seu resumo é bem instigante.

“........Começou-se a compreender a vida e obra dos autores partindo-se do pressuposto de que há um diálogo estreito entre ambos. Buscou-se construir a base teórica para o desenvolvimento da pesquisa a partir da identificação dos pontos de diálogo e influência do autor francês sobre o analista alemão. Apesar de terem nascido em países distintos, os autores têm em seus respectivos contextos culturais semelhanças que os aproximam, posto que, naquele contexto histórico, a ordem mundial passava por mudanças que alcançaram a ambos. Dessa forma, dividiu-se a análise em três capítulos. O primeiro, além de possuir um caráter introdutório, faz uma apresentação de alguns autores que foram escolhidos para embasar a pesquisa. Analisa a obra A pele de onagro, de Balzac, e A ideologia alemã e o Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels. Depois de uma discussão e interpretação, notaram-se possíveis afinidades de conteúdo entre eles, como, por exemplo, a interpretação de ambos acerca da gênese das ideias em um ambiente de profundas alterações ocasionadas pela emergência da modernidade. O segundo capítulo analisa as obras O 18 brumário de Luis Bonaparte, de Karl Marx, e Ilusões perdidas, de Balzac. Nesse momento, a análise enredou-se pela contraposição entre as dimensões do ideal e do material. Por fim, no terceiro capítulo, são estudados os Manuscritos econômico-filosóficos parte que discorre sobre o papel e as influências do dinheiro e O capital seção I, Mercadoria e dinheiro de Marx. Além desses textos, também os romances Eugénie Grandet e Ascensão e queda de Cesár Birotteau, de Honoré de Balzac, foram utilizados como fornecedores de elementos a serem cruzados com a análise proposta por Marx. Foi ressaltada, neste sentido, a superestimação do aspecto material em detrimento de valores morais e éticos dos indivíduos.
Finalmente, depois de todas as interpretações discorridas sobre as obras que fundamentam a pesquisa, constatou-se que Karl Marx incorporou elementos centrais da concepção de sociedade contidas nas obras de Honoré de Balzac e que funcionaram como norteadores de seus trabalhos.”

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O balzaquiano Marx. Parte 2


Em abril de 1888, Engels escreve carta para a jornalista e escritora Margaret Harkness (1854-1923) para comentar sua primeira novela “A City Girl”, que ele chama de pequena obra prima e fala do prazer na sua leitura. Harkness era inflamada socialista, nas duas últimas décadas  do século 19. Na carta, Engels fala de seu entusiasmo pela obra de Balzac, autor favorito de seu amigo Marx. Na linha de Marx, chega a afirmar que aprendeu mais sobre a sociedade francesa com Balzac “do que com todos os historiadores, economistas e estatísticos profissionais do período, juntos”.

“Balzac, a quem considero de longe o maior mestre do realismo de todos os Zolas do passado, presente e futuro, nos proporciona na sua Comédie Humaine, uma história maravilhosamente realista da sociedade francesa, especialmente do le monde parisien,  descrevendo, no estilo  crônica, quase ano a ano, de 1816 a 1848, a pressão crescente da ascensão da burguesia sobre a sociedade de nobres que se reestabeleceu a partir de 1815 e voltou a instalar, tão rápido quanto possível, no padrão da vieille politesse française. Ele descreve como os derradeiros resíduos daquela, para ele, sociedade modelo, sucumbiram gradualmente ante a explosiva intrusão dos vulgares endinheirados ou foi corrompida por eles; como uma grande dama cujas infidelidades conjugais não passavam de uma maneira de firmar a sua posição, em perfeito acordo com a forma como lhe tinham destinado o casamento, cedeu lugar à burguesia, que adquiriu o marido em troca de dinheiro ou luxos (“ for cash or cashmere”); e em torno desta imagem central, ele tece uma história completa da Sociedade Francesa, da qual, mesmo em pormenores econômicos (como, por exemplo, a redistribuição da propriedade real e privada após a Revolução),  eu aprendi mais do que com todos os historiadores, economistas e estatísticos profissionais do período, juntos.       
Ora, Balzac era politicamente um legitimista; a sua obra grandiosa constitui uma elegia permanente da inevitável decadência da boa sociedade, suas simpatias vão todas para a classe condenada à extinção. Mas, apesar de tudo isso, a sua sátira   nunca é a mais aguçada e a sua ironia nunca a mais amarga,  quando coloca em ação os verdadeiros homens e mulheres com os quais simpatiza mais profundamente – os nobres. E os únicos homens aos quais se refere com indisfarçada admiração são os seus antagonistas políticos mais acirrados, os heróis republicanos do Cloitre Saint-Méry, aqueles que nessa época (1830-36) eram os verdadeiros representantes das massas populares.
Desse modo, Balzac tanto foi compelido a agir contra as suas próprias simpatias de classe e preconceitos políticos, quanto ele percebia a necessidade da queda dos seus favoritos nobres e os descrevia como pessoas  não merecedoras de melhor sorte, e via os verdadeiros homens do futuro onde, temporariamente, eles seriam encontrados sozinhos – tudo isto eu considero um dos maiores triunfos do realismo e das maiores características do velho Balzac ”. 



sábado, 4 de fevereiro de 2012

O balzaquiano Marx. Parte 1


O velho Karl era fã incondicional de seu contemporâneo Honoré de Balzac (1799-1850). Em fevereiro de 1867, no mesmo ano em que entregou os originais do volume I de O Capital, insistiu com Engels para que lesse “A obra-prima ignorada”, afirmando que se tratava de obra “repleta da mais fina ironia”. Seu genro Paul Lafargue relata que a narrativa de Balzac causou no sogro “grande impacto porque em parte seria uma descrição dos seus sentimentos”.
Marx chegou a afirmar que "A Comédia Humana" tinha sido mais importante para a sua compreensão da sociedade francesa do que os muitos tratados de economia, história e filosofia lidos durante anos. Opinião semelhante foi colocada por Engels em carta, de abril de 1888, à escritora Margareth Harkness, que será postada amanhã.